Decisão do STJ provoca polêmica e interpretações equivocadas acerca dos rateios por fração ideal em condomínios.
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ provocou grande alvoroço nos administradores de condomínios, ainda mais pela divulgação de notícias equivocadas sobre o tema.
Insta ressaltar que tratamos do Recurso Especial n. 1.104.352-MG (2008/0256572-9).
O relator do recurso, Ministro Marco Buzzi, julgou o caso por meio de decisão monocrática fundada na Súmula no 283 do STF.
Referida súmula estabelece a inadmissibilidade do recurso “quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
Isso quer dizer que se o recurso aviado pela parte não combater todos os fundamentos que sejam aptos a sustentar a decisão contra a qual se insurge, o tribunal não admitirá esse recurso.
Quando um julgador não admite um recurso, decorre que o mérito desse recurso não pode ser analisado.
Em outras palavras, por questões processuais, especificamente sobre os pressupostos de admissibilidade recursal, o mérito da causa não foi analisado.
Então, sem que o mérito tenha sido analisado, é tecnicamente um equívoco dizer que o STJ decidiu que o rateio por fração ideal foi afastado no caso do processo em referência.
O próprio STJ, por meio de sua Secretaria de Comunicação Social, publicou uma nota de esclarecimento acerca do caso que tratamos:
Esclarecimento
Taxa de condomínio e fração ideal
Em razão de notícias divulgadas recentemente na mídia, segundo as quais o Superior Tribunal de Justiça teria considerado ilegal o rateio de taxa de condomínio com base na fração ideal, a Secretaria de Comunicação Social do STJ esclarece que, na verdade, o Tribunal não se manifestou sobre essa questão.
O citado noticiário aponta o Recurso Especial 1.104.352, de Minas Gerais, como o que teria dado origem à suposta definição jurisprudencial, porém não houve qualquer discussão de mérito nesse processo. O relator, ministro Marco Buzzi, entendeu que o recurso não reunia condições processuais para ser admitido.
Em sua decisão, individual e que transitou em julgado sem ser agravada, o ministro esclarece que o condomínio recorreu afirmando que a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) violaria artigos do Código Civil e da Lei de Condomínios (Lei 4.591/64) que tratam da divisão das despesas com base na fração ideal.
No entanto, conforme apontou o relator, a decisão do TJMG se funda também em outro ponto: a vedação ao enriquecimento sem causa, ou ilícito. Como o condomínio recorrente deixou de impugnar esse fundamento, e ele sozinho seria suficiente para manter a decisão do TJMG, independentemente da discussão sobre os artigos que tratam da divisão de despesas condominiais, o recurso não poderia ser analisado.
Assim, o STJ não confirmou, rechaçou ou mesmo debateu o acerto ou erro da decisão do TJMG, pela falta de ataque, no recurso, a um fundamento autônomo e suficiente para mantê-la. Em outras palavras: o STJ não afirmou se a cobrança baseada na fração ideal e ou não possível, pois sequer entrou nessa controvérsia.
Com a decisão do relator, no sentido de negar seguimento ao recurso, o entendimento do TJMG ficou mantido, mas por razões meramente processuais.
De outro lado, conquanto o Recurso Especial n. 1.104.352-MG não tenha sido analisado pelo STJ, consigne-se que a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG subsistiu, e que nessa decisão o tribunal mineiro entendeu que o rateio por fração, no caso, seria ilegal.
Todavia, não há que se cogitar, em hipótese alguma, que esse entendimento deva ser seguido por outros juízes ou tribunais.
Ressalte-se que o rateio das despesas é a regra geral expressa no inciso I do art. 1.336 do Código Civil:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio, na proporção das suas frações ideais,
salvo disposição em contrário na convenção.
Portanto, nos termos da lei, se a convenção do condomínio não dispuser de maneira diferente, o rateio das despesas em condomínios edilícios deve ser feito pela fração ideal das unidades.
A propósito, para elidir quaisquer dúvidas acerca do assunto, analisemos o Recurso Especial no 1.459.734 – MG (2014/0141711-8).
O relator do caso, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, não conheceu do recurso especial em referência, com fundamento na Súmula no 83 do STJ, que determina: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.
No caso, o STJ deixou de analisar o mérito do recurso, pois a decisão do tribunal estadual (coincidentemente o mesmo TJMG que proferiu o polêmico acórdão acima analisado) esteve em consonância com o entendimento da Corte Superior.
Vejamos a decisão do tribunal mineiro, referendada, de maneira expressa, pelo STJ:
“(…) não gera o enriquecimento ilícito dos demais condôminos, a Convenção do Condomínio que estabelece como critério de rateio das despesas a fração ideal do imóvel, porquanto, mesmo que fosse nula tal estipulação, ainda assim seriam aplicáveis as disposições legais que regulam o Condomínio edilício, previstas no art. 12, § 1o, da Lei n. 4.591/64 e no art. 1.336, I, do código Civil de 2002. Ressalte-se ainda, a utilização do critério da fração ideal como forma de rateio das despesas condominiais, por si, não implica em abusividade ou mesmo representa vantagem exagerada para aqueles que possuem unidades em menores proporções”.
Ao citar o trecho acima, o ministro relator do caso consignou:
Tal posicionamento está em consonância com a jurisprudência desta Corte [STJ], firmada no sentido de que é legítimo o rateio das despesas condominiais em razão da fração ideal do imóvel.
Como se vê, o STJ se pronunciou sobre a questão em análise, consignando que o entendimento jurisprudencial da Corte Superior é o de que se tem por legítima esta forma de divisão de custos por fração ideal.